quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O Retrato Molecular do Brasil no Contexto Histórico


Estudo genético com DNA de brasileiros brancos revela que a esmagadora maioria das linhagens paternas da população branca do país veio da Europa, mas que, surpreendentemente, 60% das linhagens maternas são ameríndias ou africanas.
Amostras de DNA da população do Norte, Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil foram estudadas com dois marcadores moleculares de linhagens genealógicas: o cromossomo Y para estabelecer linhagens paternas (patrilinhagens) e o DNA mitocondrial para estabelecer linhagens maternas (matrilinhagens).
Comparações com estudos realizados em populações de outros países permitiram estabelecer a origem geográfica da vasta maioria dessas linhagens genealógicas.
Patrilinhagens em brasileiros brancos:
Estudo filogeográfico de brasileiros brancos permite deduzir que a imensa maioria das linhagens de cromossomo Y do país é de origem européia, mais especificamente portuguesa (como revela a semelhança com dados referentes a 93 portugueses, obtidos em colaboração com o geneticista Jorge Rocha, da Universidade do Porto).
Chama atenção a contribuição mínima de cromossomos Y vindos da África sub-saariana (haplogrupo 8, com 2% do total) e ameríndios (haplogrupo 18, nenhum).
Em contraste, os cromossomos Y europeus (haplogrupo 1) estão presentes na grande maioria (57%) dos brasileiros. Tal participação aumenta quando se admite que o haplogrupo 2 (19% da amostra) tem sua principal origem na Europa.
Da comparação das regiões do Brasil: a maior proporção do haplogrupo 2 ocorre no Sul (28%), onde foi importante a imigração de alemães e outros europeus, e a segunda no Nordeste (19%), palco da invasão holandesa.
Mesmo existindo outras contribuições (do Oriente Médio, por exemplo), a Europa é também a origem mais provável do excesso de haplogrupo 2. Assim, no mínimo 66% e no máximo 85% (este talvez mais próximo da verdade) dos cromossomos Y em brancos brasileiros vieram da Europa.
Também é alta a proporção em brasileiros (14%) e portugueses (12%) do haplogrupo 21, encontrado basicamente no norte da África e, em menor proporção, em áreas mediterrâneas. Sua alta freqüência em brasileiros deve-se então aos portugueses, pois não há registros sobre a vinda para o Brasil de números significativos de escravos do norte da África (o que é reforçado pela baixa proporção de linhagens de DNA mitocondrial do norte africano encontrada em nossos estudos).
Matrilinhagens em brasileiros brancos:
A diversidade de DNAs mitocondriais também foi muito grande em brasileiros brancos: 171 haplótipos distintos em 247 indivíduos.
Ao contrário do revelado pelo estudo do cromossomo Y (ampla maioria de haplogrupos europeus), os DNA mitocondriais tiveram, para todo o Brasil, uma distribuição de origens geográficas bem mais uniforme: 33% de linhagens ameríndias, 28% de africanas e 39% de européias.
Entre as linhagens européias, destacam-se os haplogrupos H, T e J, sendo responsáveis respectivamente por 44%, 14% e 10% do total dessas linhagens.
Como os ameríndios vieram da Ásia, o DNA mitocondrial não os diferencia dos asiáticos. Assim, assumimos que todas as linhagens asiáticas obtidas (haplogrupos A, B, C e D) eram ameríndias.
A grande diversidade de haplogrupos africanos é compatível com o fato de que os escravos foram trazidos para o Brasil de muitas áreas (principalmente do oeste africano, mas também de Moçambique, no leste).
O fato de encontrarmos 33% de matrilinhagens autóctones permite-nos calcular que em torno de 45 milhões de brasileiros possuem DNA mitocondrial originário de ameríndios.
Em outras palavras, embora desde 1500 o número de nativos no Brasil tenha se reduzido a 10% do original (de cerca de 3,5 milhões para 325 mil), o número de pessoas com DNA mitocondrial ameríndio aumentou mais de 10 vezes.
Portanto, a imensa maioria das patrilinhagens é européia, enquanto a maioria das matrilinhagens (cerca de 60%) é ameríndia ou africana. Os resultados combinam com o que se sabe sobre o povoamento pós-cabralino do Brasil.
A partir da metade do século 19, o Brasil recebeu enormes levas de novos imigrantes, destacando-se portugueses e italianos, seguidos de espanhóis, alemães, japoneses e sírio-libaneses.
Entre 1872 e 1890, por exemplo, a população de brancos brasileiros aumentou em 12,5 milhões (figura 14). Embora muitos imigrantes tenham vindo com suas famílias (em especial os alemães), havia um excesso significativo de homens em outros grupos.
Como os imigrantes eram em geral pobres, casavam-se com mulheres também pobres, o que no Brasil significava mulheres de pele escura (por causa da correlação entre cor da pele e classe social).
Vários autores, dentre os quais despontam os já mencionados Prado, Freyre, Holanda e Ribeiro enfatizaram a natureza triíbrida da população brasileira, a partir dos ameríndios, europeus e africanos.
Os dados dão respaldo científico a essa noção e acrescentam um importante detalhe: a contribuição européia foi basicamente através de homens e a ameríndia e africana foi principalmente através de mulheres.
A presença de 60% de matrilinhagens ameríndias e africanas em brasileiros
brancos é inesperadamente alta e, por isso, tem grande relevância social.
O Brasil não é uma democracia racial, porém se os brancos brasileiros que têm DNA mitocondrial ameríndio ou africano se conscientizassem disso valorizariam mais a exuberante diversidade genética do nosso povo e, quem sabe, construiriam no século 21uma sociedade mais justa e harmônica.
NÃO EXISTEM RAÇAS!
A razão pela qual ‘raça’ está entre aspas no texto é que, embora o IBGE ainda use o termo, ele é mais uma construção social e cultural do que biológica.
Do ponto de vista genético, não existem raças humanas.
O homem moderno distribuiu-se geograficamente e desenvolveu características físicas, incluindo cor da pele, por adaptação ao ambiente de cada nicho geográfico.
Geneticamente, no entanto, não houve diversificação suficiente entre esses grupos geográficos para caracterizar raças em um sentido biológico, como mostrou recentemente o geneticista americano Alan Templeton.
Como podemos nos referir a certos grupos, como os indígenas brasileiros?
Uma nomenclatura que tem sido crescentemente usada é a de ‘etnias’, que deveriam ser definidas (de modo muito amplo) como grupos populacionais que têm características físicas ou culturais em comum.
Bibliografia resumida:
PENA, Sérgio D. J.; CARVALHO-SILVA, Denise R.; ALVES-SILVA, Juliana, PRADO, Vânia F. Retrato Molecular do Brasil. Ciência Hoje, vol. 27, n. 159.
Imagens: Ariana da Silva (Indígena Asurini e Criança Quilombola - Pará).

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