quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O Culturalismo



Baseado na teoria social de Franz Boas, o Culturalismo constitui os ensinamentos da Antropologia Norte-Americana a partir das décadas de 20/30 e que está associado ao chamado particularismo histórico, tendo como argumento a caracterização das culturas humanas através de processos e elementos históricos específicos, baseado nas condições ambientais, que podem criar ou modificar elementos culturais diferenciados, no esclarecimento dos fatores psicológicos que atuaram na configuração da cultura, assim como busca mostrar os efeitos que as conexões históricas tiveram sobre o desenvolvimento da cultura de cada comunidade, aldeia ou povo estudado, rejeitando sobremaneira o método comparativo em antropologia social, criticado como generalista e de limitação científica.
O Culturalismo de Boas marcou o desenvolvimento de uma investigação histórica precisa, com o estudo criterioso, lento e cuidadoso de fenômenos locais e que pretendia através do detalhamento histórico proceder, em cada área estudada, a busca de evidências culturais com o intuito, entre outros, de reconstruir a história do desenvolvimento das idéias de cada cultura, estabelecendo, desse modo, a conexão histórica e de singularidades entre as populações humanas a fim de constituir o estabelecimento de leis gerais tendo como indicador a história real como base de suas deduções.
O método de abordagem do Culturalismo está baseado no estudo das mudanças dinâmicas na sociedade observada no tempo presente e na habilidade para dar conta dos processos que levam ao desenvolvimento de certos costumes em áreas geográficas pequenas como também no interesse de esclarecer as complexas relações de cada cultura individual. Boas analisou a psicanálise freudiana como um aspecto importante da compreensão emocional da vida social, porém reforçou a tese de que as impressões da infância, do comportamento social do homem em seus primeiros hábitos nem sempre estão conectados por atitudes que se estabeleceram antes da memória começar a operar e o fenômeno da linguagem é um exemplo que diferencia a idéia de Freud, porque os conceitos gerais sobre ela ainda são desconhecidos em sua totalidade e que não remetem necessariamente ao estágio de consciência até que se comece o estudo sistemático da gramática e dos processos lingüísticos, porém acredita que a teoria da psicanálise ajudou na compreensão de fenômenos simbólicos em interpretações subjetivas das culturas humanas em suas particularidades.
Nesse contexto, a classificação do Culturalismo como um ramo da Antropologia Social é importante no sentido de desenvolver estudos que caracterizam “processos” pelos quais estágios culturais ocorreram, não apenas analisando os costumes, crenças, rituais e lendas em si mesmos, mas procurando dar conta sobre as razões pelas quais os fenômenos culturais existem, para, finalmente, descobrir a história de seus desenvolvimentos e de suas variações, esforçando-se também para encontrar as causas psicológicas comuns subjacentes a todos esses processos socioculturais, que são eminentemente históricos.
O Culturalismo oferece uma dura crítica ao Método Comparativo, que conceitua como um estudo falho, baseado na “evolução uniforme” da cultura humana e que, na ótica de Boas, indica certo desprezo às singularidades históricas e de suas respectivas particularidades. O autor relata que a história humana não deve ser generalizada, pois acredita ser improvável que a mente humana obedeça às mesmas leis em todos os lugares e que idéias universais se constituem em um problema de método, citando, entre outros, que o Totemismo ou a Arte Primitiva constituem-se por fenômenos similares e étnicos que provavelmente se desenvolveram a partir de diferentes fontes.
Os estudos que deram base ao Culturalismo tem relevância em suas análises históricas por apresentarem em suas abordagens diversas fontes de conhecimento, caracterizando o pensamento antropológico do início do Século XX e que continua a influenciar muitos pesquisadores até os dias de hoje. Estudos sistemáticos sobre raça, tipos humanos, imigração, etnologia, cultura, integração social e sociedades antigas são apenas alguns exemplos de sua praticidade na elaboração de explicação da realidade social que nos cerca, tendo como norte o detalhamento de costumes em suas relações com a cultura local e total da comunidade estudada, especialmente no que se refere aos aspectos históricos propriamente ditos, assim como em análises psicológicas dos diversos processos simbólicos que circundam as culturas em questão.
A importância fundamental do Culturalismo para o pensamento antropológico consiste na elaboração de um método que tem como eixo central a caracterização dos aspectos históricos das culturas humanas a fim de elucidar conexões presentes ao passado cultural das populações estudadas, com o interesse de observar a reconstrução histórica através da constituição de uma lei geral baseada no particularismo histórico, das histórias reais de povos e de suas tradições culturais, assim como analisar os processos e as interações sociais entre os homens por meio de suas instituições, como o casamento, a utilização de máscaras, a arte primitiva, as simbologias religiosas, as conseqüências da imigração e dos tipos humanos em suas formas corporais e étnicas (que acredita ser instáveis), na decodificação e discussão sobre raça enquanto elemento unificador das diversas culturas humanas, baseado na freqüência de ocorrência de populações que se identificam dentro de grupos diferenciados, não apenas pelo fator biológico, mas especialmente, por seus aspectos sociais e culturais, por assim dizer.
Boas, em sua crítica ao evolucionismo, faz uma análise histórica sobre as culturas humanas, dando origem aos estudos do relativismo cultural, pois acredita que a difusão cultural aconteceu em várias direções em estágios de desenvolvimento diferenciados.
Radcliffe Brown, analisando o método de Boas, responde às críticas oferecendo o Método Comparativo como um objeto de estudo capaz de criar uma lei geral que compreenda a característica universal do pensamento humano, através dos paralelos e similaridades entre as manifestações culturais de diversos povos, especialmente em estudos comparados sobre o Totemismo Australiano e o Norte Americano, baseado na análise de “oposição” entre significados simbólicos totêmicos, que chamou de “união de opostos”, um conceito de Heráclito e que tem seus primórdios na filosofia chinesa de pelo menos quatro mil anos, esclarecendo, por exemplo, que o sistema de metades exogâmicas prevê uma generalização de casamento por troca e que a comparação entre as culturas humanas são deduções baseadas em aspectos que vão do particular para o geral, do geral para o mais geral e assim, chegando ao universal, em relações que vão desde inimizade e luta, de acordo e desacordo e de solidariedade e diferença, dizendo ainda que o método histórico precisa de uma análise geral da vida social e que, se assim não fizer, estará praticando apenas uma historiografia ou no máximo, uma etnologia da vida social.
O fato é que o particularismo histórico de Boas e as análises comparativas de Brown são complementares. Ambos são fundamentais para os estudos teórico práticos do pensamento antropológico do Século XXI, respeitadas suas singularidades metodológicas, sendo que podem ser aplicados em diversos campos da antropologia, seja no campo social, arqueológico, biológico, cultural ou lingüístico, caracterizando sua interdisciplinaridade e composição científica estrutural da sociedade humana.

Texto: Ariana da Silva
Foto IDEA/2010: Ariana da Silva

Bibliografia:

Boas, Franz. “Instabilidade de tipos humanos” In Stocking jr., George W.. (org.) A formação da antropologia americana 1883-1911/Franz Boas. Rio de Janeiro, Contraponto/EdUFRJ, 2004 [1909]: 258-263.
Boas, Franz. “Mudança na forma cultural dos imigrantes” In Stocking jr., George W.. (org.) A formação da antropologia americana 1883-1911/Franz Boas. Rio de Janeiro, Contraponto/EdUFRJ, 2004 [1908]: 244-258.
Boas, Franz. “Raça e Progresso, 1931” In Castro, Celso (org.) Franz Boas. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro, Jorge Zahar editor, 2004 [1931]: 67-86.
Boas, Franz. “As limitações do método comparativo em antropologia, 1894” In Castro, Celso (org.) Franz Boas. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro, Jorge Zahar editor, 2004 [1894]: 25- 39.
Boas, Franz. “Os métodos da etnologia, 1920” In Castro, Celso (org.) Franz Boas. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro, Jorge Zahar editor, 2004 [1920]: 41-52.
Radcliffe-Brown, A. R.. “O método comparativo em Antropologia Social” In Zaluar Guimarães, Alba (Org.) Desvendando Máscaras Sociais. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1975: 195-210.

6 comentários:

Leonardo Oliveira disse...

Parabéns pelo post e pelo blog. Já estou seguindo!

Blog da Ariana disse...

Obrigada, Leonardo!
Agradeço por seguir.
Tu és das Ciências Humanas?
Bjim!
:)

Daniel T. disse...

Obg pelo post

Mt bom

Daniel T. disse...

Obg pelo post

Mt bom

Rodrigo França disse...

Este post acabou de me salvar um artigo!! Muito bom!

Ivone Moura disse...

Nossa gostei...