quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

População Afro-Descendente na Amazônia


Historicamente a Amazônia é um ambiente ocupado e caracterizado por um rico legado de contatos humanos que estão dispostos através de culturas diversificadas, sincretismos religiosos, formação de territórios, populações indígenas, rurais, caboclas, negras, ribeirinhas e etc. e, especialmente, por seu ecossistema infinitamente variado, marcado por conflitos e por variados processos de resistência (LOUREIRO, 2001) que configuram o universo sócio-cultural e político-econômico da Região, hoje internacionalizada (BENTES, 2005).
O longo período de colonização iniciado com o trabalho escravo desde meados do século XVI e que perdurou até a Abolição (1888) demarcou profundamente as relações sociais, étnicas, culturais e de identidade brasileiras, sendo que, na Amazônia, no que concerne à população negra, podemos apontar como uma de suas “marcas” de resistência a criação de “acampamento na floresta”, o Quilombo, que “é uma palavra das línguas congo-angolanas (...) e que, no Brasil (...) foi a denominação dada ao refúgio que os escravos fugidos organizavam na mata”. (BENJAMIN, 2006, p. 126). Hoje, os “acampamentos” do início do período de exploração econômica da Amazônia, são conhecidos como “terra-de-preto”, “quilombos” ou “mocambos” e que são os “segmentos da população brasileira marcados pela resistência, organização, vivência comunitária, isolamento e conservação de suas tradições” (idem, p. 136).
Provavelmente os primeiros quilombos da Região Amazônica foram constituídos no Estado do Maranhão, localizados mais precisamente no sertão de Turiaçu em 1701. No Pará a formação dos mocambos iniciou-se em 1788: um no igarapé do Una, nas proximidades de Belém, próximo a Benfica e outro, considerado o mais importante, na Ilha do Marajó (missões religiosas), em Cachoeira. Desde a época de formação dos primeiros quilombos até o presente momento, muitas comunidades foram extintas. Entre as que resistiram, algumas sofreram o processo de miscigenação e outras permaneceram em relativo grau de isolamento, preservando, em parte, suas identidades biológica e cultural, atualmente denominados de afro-brasileiros ou afro-descendentes (VERGOLINO-HENRY & FIGUEIREDO, 1990).
Os aspectos ambientais e a organização social da Amazônia precisam ser compreendidos e respeitados pelo Estado, pela Sociedade Civil, pelas ONG’s e interpretados pela Academia, fortalecendo a percepção da necessidade de “proteção de saberes” das populações e da cultura diversificada da Floresta Amazônica, que são medidas urgentes de perpetuação das espécies: fauna, flora e da natureza humana de um modo geral. Através do estranhamento: percepção, apreensão e compreensão da sustentabilidade vivenciada pelos povos tradicionais da Região Amazônica, fatores intrínsecos à sobrevivência não apenas da biodiversidade, como também da cultura milenar de populações que chegaram muito antes de nós em solo nacional, como os indígenas, que merecem plenos direitos e reconhecimentos sobre a floresta, sobre o lugar – no sentido de pertencimento –, e devemos estabelecer medidas de alargamento social sobre as memórias que demarcam a sua identidade e etnicidade características.
Existe um processo de complexidade que envolve as populações amazônicas, que possuem organização social, cultura e idéias peculiares sobre o meio ambiente. As práticas sociais cotidianas das comunidades quilombolas, que, entre outros aspectos, são formas de resistência social em busca da consolidação de sua identidade étnica e de ações públicas para o fortalecimento de suas lutas por demarcação de terras, espaço para a produtividade, saúde de seus moradores, garantias sociais como escola, água potável, escoamento da produção agrícola, incentivos fiscais e demais necessidades sócio-econômicas que garantam a sobrevivência das famílias em questão, são algumas nuances que contribuem para a consolidação de seus meios de resistir social e politicamente contra as formas de segregação e opressão a que foram historicamente submetidos.
Nesse sentido, as diversas categorias que interpretem a sociedade, seus caminhos de sustentabilidade, seus mitos (DIEGUES, 1994) e o processo constante de desenvolvimento econômico na alarmada mundialização do capital (MELLO, 2001), que através da ideologia (CHAUÍ, 1984), reproduz – ou não – os costumes culturais, tradições e saberes sociais das populações negras tradicionais devem ser caminhos que poderemos percorrer a fim de contextualizar os aspectos gerais dos Amazônidas.
A partir desse território de complexidade (MORIN, 1999), a utilização das categorias de viés antropológico de olhar, ouvir e escrever (OLIVEIRA, R. 2000, p. 17-35) para compreensão do cotidiano sócio-cultural dos sujeitos sociais classificados como remanescentes de quilombos, delimitam a regulação e identificam os grupos de pertença, tornando-se, assim, factual estabelecer, através dos aspectos etnográficos (MAUSS, 1979; 1993; PEIRANO, 2005) da população afro-descendente, um processo de reconhecimento de valores, situações históricas, práticas culturais, visões de mundo contextualizadas e outros aspectos de pertencimento que compõem o lugar de convivência entre o homem, a natureza e sua cultura local.


Fotos e Texto: Ariana da Silva(*)
"Crianças" e "Grafite" da Comunidade Quilombola de Itacuã-Mirim, Pará.

Bibliografia:
BENTES, Rosineide. A intervenção do ambientalismo internacional na Amazônia. Estudos Avançados, 19 [54]: 2005.
BENJAMIN, Roberto. A África está em nós. João Pessoa, PB. Grafiset, 2006.
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1984. (Coleção Primeiros Passos).
DIEGUES, A. C. S. Os mitos bio-antropomórficos, os neo-mitos e o mundo atual. In: O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: NUPAUB/USP, 1994.
LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Estado, bandidos e heróis: utopia e luta na Amazônia. Belém. Cejup, 2ª Ed. 2001.
MAUSS, Marcel. Manual de etnografia. Lisboa: Dom Quixote, 1993.
______. Antropologia: o ofício do etnógrafo, método sociológico (1902). São Paulo: Ática, 1979.
MORIN, Edgar. O pensar complexo: Edgar Morin e a crise da modernidade. Rio de Janeiro: Garamond, 1999.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O trabalho do antropólogo. São Paulo: Paralelo; UNESP, 2000.
VERGOLINO-HENRY & FIGUEIREDO. Presença africana na Amazônia. Museu Emília Goeldi, 1990.

(*)Bacharel e Licenciada Plena em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Especialista em Sociologia e Educação Ambiental pela Universidade do Estado do Pará (UEPA), Docente da Rede Pública de Ensino do Estado do Pará, Docente Credenciada da Escola Técnica do SUS – ETSUS/Regional Pará, Aperfeiçoada em Gênero e Diversidade na Escola (UFPA) e Mestranda em Bioantropologia pelo Programa de Pós Graduação em Antropologia – PPGA – 2010 (UFPA).

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